Sobre estar muito triste: Kid Vinil nos deixou
20 de maio de 2017



Foi uma semana miserável – não tem como definir de outro jeito. Na quarta-feira, dia 17, o que restava de nossa frágil democracia foi pulverizada como um copo de cristal debaixo da pata de um elefante com as novas delações envolvendo figuras de relevo na nossa política, começando pelo presidente.
No dia seguinte, acordamos com a notícia – terrível! – da morte de Chris Cornell, em minha opinião um dos últimos grandes cantores de rock da atualidade ao lado de seu xará Chris Robinson. Logo em seguida, ficamos sabendo que a causa da morte de Cornell foi suicídio, o que imprime tintas ainda mais dramáticas ao episódio.
Mas aí, quando você pensa que nada possa acontecer de tão ruim que venha a piorar esse cenário, surge a notícia, sem anestesia, sem aviso prévio, como um caminhão sem freio que aparece na sua frente ali na curva: morreu Kid Vinil.


Sim, a gente acompanhou o problema que ele teve há pouco mais de um mês, em Conselheiro Lafaeite (MG): após um show que reuniu estrelas do rock/pop brasileiro dos anos 80, Kid passou mal e teve uma parada cardíaca, sendo reanimado em seguida e transferido ao hospital. Os amigos se mobilizaram para bancar o translado dele para São Paulo, o que aconteceu em tempo recorde, mas todos os esforços para restabelecer sua saúde acabaram se mostrando infrutíferos.
Kid teve uma carreira marcante por dois motivos básicos. O primeiro era o imenso conhecimento musical (no caso, por “música” leia-se “rock”) que possuía. Era um negócio que beirava o absurdo. Às vezes ele começava a falar de uma banda que eu conhecia e, no final, a sensação era: “É, preciso estudar mais...” O acervo que ele acumulou ao longo desses anos tem quantidade, qualidade e valor definitivamente incalculáveis.


Porém, o que mais marcava em Kid Vinil era seu espírito leve, alegre, feliz. Ele desfilava esse conhecimento, repito, absurdo que possuía com um sorriso na cara, sem soar arrogante, nem querendo ser melhor do que ninguém – e ele era! Tratava com a mesma atenção um crítico musical como ele e um garoto que queria apenas tirar uma foto e apertar a mão de um ídolo. As roupas coloridas e extravagantes e a barbicha pintada de cores vivas eram uma expressão do sujeito alegre e divertido que era.


No palco, tenho certeza que ele mesmo concordava, não era um cantor brilhante. Mas compensava isso com uma performance única, em que misturava timidez, autenticidade e amor pelo rock. Sejamos francos: quem mais conseguiria cantar uma letra como “Tic Tic Nervoso” e passar credibilidade pro negócio? Sim, Kid Vinil era único.
Estive poucas vezes com ele. Uma delas foi quando entrevistei, na casa de André Christovam, a banda Kid Vinil e os Heróis do Brasil para a finada revista Roll. Apesar de ser a estrela da companhia (tanto que seu nome batizava o grupo), ele se portou como um dos outros caras durante a conversa e não economizou elogios aos músicos que o acompanhavam. E sempre com um sorriso sincero no rosto.






Outra ocasião em que nos trombamos foi numa edição da Expomusic, a famosa “Feira da Música” que acontece uma vez por ano em São Paulo. Rimos porque, apesar de não sermos conhecidos pelos nossos nomes de batismo, os crachás de ambos ostentavam “Antonio Carlos” – sim, éramos xarás e isso me orgulha muito.
Nos últimos tempos, andamos nos falando pelo Facebook – pra quem, como eu, acha que esse negócio serve pra nada, taí uma exceção que confirma a regra. Ele sempre postava fotos e comentários sobre suas duas paixões: rock e Kosmo, um lindo golden retriever que ele tratava com carinho de pai. Como Kosmo já era idoso (12 anos é um bocado de tempo para um golden) e eu também tenho uma jovem senhora canina em casa (Mel, maltês, faz 14 este ano), eventualmente trocávamos alguma experiência sobre essa realidade. E beirava o emocionante observar o amor e o cuidado que ele dedicava a Kosmo.


Agora resta aquela saudade dolorida de quando ainda estamos sob o choque da notícia. É verdade, Kid teve uma vida sensacional, como já disseram. Mas poderia ter vivido muito mais, aumentar sua inestimável coleção, angariar mais conhecimento e passar isso adiante com a generosidade de sempre. E fica aquela ironia cruel que o destino vez por outra nos prepara: confesso que eu andava meio preocupado sobre como Kid reagiria quando Kosmo se fosse. Quem poderia imaginar que o desfecho seria o contrário...
Saudades, Kid.

2 comentários:

  1. Grande Tony! Que texto legal!
    O Kid foi um cara que curtia e deu uma baita força pra banda que eu toquei nos anos de 1990, o Pitbulls On Crack. Nunca vou esquecer a noite que, saindo de um show muito legal que fizemos no saudoso Olympia (SP/SP), sintonizámos a rádio Brasil2000 e o Kid estava colocando para tocar uma música do CD que tínhamos acabado de lançar pela Gravadora Eldorado. Foi especial porque a música foi composta por mim! Anos depois, eu já tocando na Baranga, entendi por quê! Porque a música tem uma pegada rock 'n roll boogie woogie influenciadíssima pelos maravilhosos Status Quo - o Kid era fã do Quo! Quem diria, né? Parecia que ele só manjava de new wave e outras novidades... Tony, pra mim, o Kid era uma wikipedia de música (e com opinião!), como é você, como é o Regis Tadeu e como é o "reverendo" Fábio Massari.
    Salve Kid Vinil!
    abs,
    Deca

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    1. Grande Deca!Sem dúvida, esse era o Kid! Histórias como a sua apareceram aos montes nos últimos dias. Que falta ele vai fazer!
      E sua generosidade comigo na sua última frase beira o irresponsável... (hahaha)
      Abração

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