Foi uma semana miserável – não tem como definir
de outro jeito. Na quarta-feira, dia 17, o que restava de nossa frágil
democracia foi pulverizada como um copo de cristal debaixo da pata de um
elefante com as novas delações envolvendo figuras de relevo na nossa política,
começando pelo presidente.
No dia seguinte, acordamos com a notícia –
terrível! – da morte de Chris Cornell, em minha opinião um dos últimos grandes
cantores de rock da atualidade ao lado de seu xará Chris Robinson. Logo em
seguida, ficamos sabendo que a causa da morte de Cornell foi suicídio, o que
imprime tintas ainda mais dramáticas ao episódio.
Mas aí, quando você pensa que nada possa
acontecer de tão ruim que venha a piorar esse cenário, surge a notícia, sem
anestesia, sem aviso prévio, como um caminhão sem freio que aparece na sua frente
ali na curva: morreu Kid Vinil.
Sim, a gente acompanhou o problema que ele
teve há pouco mais de um mês, em Conselheiro Lafaeite (MG): após um show que
reuniu estrelas do rock/pop brasileiro dos anos 80, Kid passou mal e teve uma
parada cardíaca, sendo reanimado em seguida e transferido ao hospital. Os
amigos se mobilizaram para bancar o translado dele para São Paulo, o que
aconteceu em tempo recorde, mas todos os esforços para restabelecer sua saúde
acabaram se mostrando infrutíferos.
Kid teve uma carreira marcante por dois
motivos básicos. O primeiro era o imenso conhecimento musical (no caso, por “música”
leia-se “rock”) que possuía. Era um negócio que beirava o absurdo. Às vezes ele
começava a falar de uma banda que eu conhecia e, no final, a sensação era: “É,
preciso estudar mais...” O acervo que ele acumulou ao longo desses anos tem
quantidade, qualidade e valor definitivamente incalculáveis.
Porém, o que mais marcava em Kid Vinil era
seu espírito leve, alegre, feliz. Ele desfilava esse conhecimento, repito,
absurdo que possuía com um sorriso na cara, sem soar arrogante, nem querendo
ser melhor do que ninguém – e ele era! Tratava com a mesma atenção um crítico
musical como ele e um garoto que queria apenas tirar uma foto e apertar a mão
de um ídolo. As roupas coloridas e extravagantes e a barbicha pintada
de cores vivas eram uma expressão do sujeito alegre e divertido que era.
No palco, tenho certeza que ele mesmo concordava, não era um cantor brilhante. Mas compensava isso com uma performance única, em que misturava timidez, autenticidade e amor pelo rock. Sejamos francos: quem mais conseguiria cantar uma letra como “Tic Tic Nervoso” e passar credibilidade pro negócio? Sim, Kid Vinil era único.
Estive poucas vezes com ele. Uma delas foi quando entrevistei, na casa de André Christovam, a banda Kid Vinil e os Heróis do Brasil para a finada revista Roll. Apesar de ser a estrela da companhia (tanto que seu nome batizava o grupo), ele se portou como um dos outros caras durante a conversa e não economizou elogios aos músicos que o acompanhavam. E sempre com um sorriso sincero no rosto.
Outra ocasião em que nos trombamos foi numa
edição da Expomusic, a famosa “Feira da Música” que acontece uma vez por ano em
São Paulo. Rimos porque, apesar de não sermos conhecidos pelos nossos nomes de
batismo, os crachás de ambos ostentavam “Antonio Carlos” – sim, éramos xarás e
isso me orgulha muito.
Nos últimos tempos, andamos nos falando pelo
Facebook – pra quem, como eu, acha que esse negócio serve pra nada, taí uma
exceção que confirma a regra. Ele sempre postava fotos e comentários sobre suas
duas paixões: rock e Kosmo, um lindo golden retriever que ele tratava com
carinho de pai. Como Kosmo já era idoso (12 anos é um bocado de tempo para um
golden) e eu também tenho uma jovem senhora canina em casa (Mel, maltês, faz 14
este ano), eventualmente trocávamos alguma experiência sobre essa realidade. E
beirava o emocionante observar o amor e o cuidado que ele dedicava a Kosmo.
Agora resta aquela saudade dolorida de quando
ainda estamos sob o choque da notícia. É verdade, Kid teve uma vida sensacional, como
já disseram. Mas poderia ter vivido muito mais, aumentar sua inestimável
coleção, angariar mais conhecimento e passar isso adiante com a generosidade de
sempre. E fica aquela ironia cruel que o destino vez por outra nos prepara:
confesso que eu andava meio preocupado sobre como Kid reagiria quando Kosmo se
fosse. Quem poderia imaginar que o desfecho seria o contrário...
Saudades, Kid.
Grande Tony! Que texto legal!
ResponderExcluirO Kid foi um cara que curtia e deu uma baita força pra banda que eu toquei nos anos de 1990, o Pitbulls On Crack. Nunca vou esquecer a noite que, saindo de um show muito legal que fizemos no saudoso Olympia (SP/SP), sintonizámos a rádio Brasil2000 e o Kid estava colocando para tocar uma música do CD que tínhamos acabado de lançar pela Gravadora Eldorado. Foi especial porque a música foi composta por mim! Anos depois, eu já tocando na Baranga, entendi por quê! Porque a música tem uma pegada rock 'n roll boogie woogie influenciadíssima pelos maravilhosos Status Quo - o Kid era fã do Quo! Quem diria, né? Parecia que ele só manjava de new wave e outras novidades... Tony, pra mim, o Kid era uma wikipedia de música (e com opinião!), como é você, como é o Regis Tadeu e como é o "reverendo" Fábio Massari.
Salve Kid Vinil!
abs,
Deca
Grande Deca!Sem dúvida, esse era o Kid! Histórias como a sua apareceram aos montes nos últimos dias. Que falta ele vai fazer!
ExcluirE sua generosidade comigo na sua última frase beira o irresponsável... (hahaha)
Abração